Peter Szondi e a Teoria do Drama moderno: 1ªparte EGC - Artigos e Ensaios

*Luis Eduardo Morimatsu Lourenço

A série de pequenos artigos, dividida em três partes, pretende expor - de forma breve e não exaustiva - algumas reflexões do húngaro Peter Szondi, reconhecido Filólogo, Esteta e Professor de Literatura Comparada da Universidade Livre de Berlim. Sua celebrada obra “A Teoria do Drama Moderno”, escrita em 1956, é presença certa entre os cânones da Teoria Teatral e Literária, constituindo-se como marco no desenvolvimento da crítica alemã historicamente orientada do pós-segunda grande guerra. As seguintes palavras, consequentemente, orbitarão justamente em torno desta obra.

1. Estética histórica e poética dos gêneros

Tradicionalmente – Szondi faz referências a Aristóteles, Schiller e Goethe – procurou-se criticar a inserção de traços épicos no Drama pressupondo-se uma concepção de Forma objetivada e a-histórica que pleiteava, ainda, um dualismo rígido (ou seja, completa distinção) em relação ao conteúdo do Drama a ser encenado. A Forma propriamente dramática era compreendida enquanto um modelo abstrato, que estabelecia as coordenadas e os limites estruturais de antemão e que restava por condicionar, inclusive, a escolha da matéria/conteúdo: se o Drama, inadvertidamente, acabava por apresentar traços épicos, isto se deveria a uma má escolha da matéria como consequência da não observância estrita das limitações formais impostas.

Sob a perspectiva da teoria de Szondi, tratar-se-ia de uma concepção de viés fortemente a-histórico, ao conceber as estruturas formais como fixas e rígidas, verdadeiramente atemporais, supostamente capazes de conferir ordem e harmonia à matéria do Drama de maneira a priori. Se certo que os conteúdos devêm historicamente, estes conteúdos deveriam, porém, ser eles mesmos submetidos à ordem superior garantida pelas estruturas formais abstratamente concebidas. Szondi remete explicitamente ao pensamento de Hegel quando da historicização necessária da análise da obra de arte: pois na obra do notório suábio, já não haveria distinção absoluta entre matéria e forma – ambos seriam momentos necessários e que se condicionariam mutuamente. O que implicaria em uma completa aniquilação da concepção da forma enquanto algo prescrito de antemão, constituída a partir do ponto de vista da eternidade.

As três categorias da poética que, desde Aristóteles, eram concebidas sistematicamente enquanto limites formais absolutamente rígidos – a Lírica, a Épica e a Dramática – deveriam ser compreendidas elas mesmas no horizonte do devir histórico. Szondi afirma que, diante de tal perspectiva, três sendas foram trilhadas com o intuito de responder à esta nova realidade:

Compreenda-se drama enquanto obra destinada à encenação teatral

a-) o abandono completo destas três categorias fundamentais (Croce, por exemplo)
b-) uma fundamentação psicológica rígida que procura fornecer um fundamento a-histórico a partir dos modos típicos de ser do homem (Hartl e Staiger)
c-) e, por último, a ampla aceitação da historicização (em relação à forma e conteúdo, reitere-se) enquanto modo mais adequado de conceber a criação estética.

Szondi adere à perspectiva histórica, procurando se afastar dos fundamentos de uma poética sistemática: neste sentido, afirma o autor que “o ponto de vista terminológico é constituído somente pelo conceito de Drama. Como conceito histórico, ele representa um fenômeno da história literária, isto é, o Drama tal como se desenvolveu na Inglaterra elisabetana e sobretudo na França do século XVII, sobrevivendo no classicismo alemão”. A própria estrutura formal seria, neste sentido, um produto historicamente condicionado, ou seja, teria origem em contextos históricos determinados. As estruturais formais poderiam vir a ser questionadas livremente por novos conteúdos que, não raramente, pretendiam perscrutar e criticar tais estruturas a partir do interior destas estruturas elas mesmas.

De fato, em seu texto, o autor circunscreverá de maneira meridiana seu objeto de análise: “portanto é designado por “drama” apenas uma determinada forma de poesia teatral (...) o adjetivo dramático não expressa, no que se segue, nenhuma qualidade (..) mas significa tão pertencente ao drama”.
(Continua na 2ª parte)

 


Referências
SZONDI, Peter. Teoria do Drama moderno. São Paulo: Cosac Naify, 2001.
 

*Luis Eduardo Morimatsu Lourenço, Doutorando em Filosofia (CAPES) pela PUC-SP, Mestre em Filosofia e Especialista em Direito Constitucional pela PUC-SP e Professor da Escola de Gestão e Contas Públicas Conselheiro Eurípedes Sales do Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

 


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