Celso Furtado e a sua obra “Formação Econômica do Brasil” EGC - Artigos e Ensaios

*Danilo André Fuster

Teoricamente, segundo Oliveira, Formação Econômica do Brasil é uma leitura Keynesiana da história brasileira. O forte do livro é a explicação que apresenta da transição da economia exportadora de café para a economia industrial que emerge a partir da Segunda Guerra (OLIVEIRA, 1981: 13).

A pretensão do livro, segundo Oliveira, é abranger toda a formação nacional, desde a economia e sociedade até as formas de regimes políticos. As questões do livro vão além do âmbito acadêmico, já que muitas se situam na política. Segundo Oliveira, a obra de furtado explica e constrói o Brasil dos seus dias, ao contrário das dos antecessores (OLIVEIRA, 1981: 13).

Alvaro Comin defende que o tema central do livro é o desenvolvimento e o subdesenvolvimento e o debate acerca da natureza do processo de modernização capitalista nos países latino-americanos. Três aspectos gerais da obra de Furtado seriam: a distinção entre modernização e desenvolvimento; a natureza particular do fenômeno do subdesenvolvimento; e a democracia como condição base do desenvolvimento.

O livro se estrutura em partes de acordo com os “ciclos” da economia. A primeira parte é dedicada à criação da colônia: trata das empresas agrícolas, do extrativismo, do mercantilismo, do monopólio da metrópole sobre a colônia e da comparação com as colônias do norte. A segunda parte fala sobre o ciclo do açúcar, e da escravidão. Já a terceira parte disserta sobre o ciclo do ouro, que teve Minas Gerais como centro, da migração espontânea de Portugal e o deslocamento de escravos da região açucareira. A quarta parte, a qual falarei mais adiante, trata do café. A última parte do livro fala da industrialização e é nesse ponto que podemos cruzar Celso Furtado com Florestan Fernandes, já que se trata da dinâmica do capitalismo. Segundo Oliveira:

“Os capítulos finais dessa parte constituem, de um lado, a explicitação dos problemas que a industrialização da periferia exacerba – tendência ao desequilíbrio externo, tensão inflacionária, concentração da renda e aumento das desigualdades regionais – tentando sair da “camisa-de-força” da produção de matérias-primas e bens primários, e, de outro, o “programa” de Furtado para prosseguir na industrialização, na resolução da questão regional do nordeste, da questão agrária, da distribuição de renda, escapando das armadilhas da relação centro-periferia, que não havia desaparecido, apenas se redefinido de outra forma”. (OLIVEIRA, 1999: 333)

Falarei agora mais profundamente sobre o capítulo que trata da Gestação da Economia Cafeeira. Para Furtado, a economia brasileira na metade do século XIX estava sofrendo muitas transformações, já que as novas técnicas criadas pela Revolução Industrial estavam entrando no país, porém não foram capazes de afetar a estrutura do sistema produtivo. Assim, para Furtado, o pensamento da época é que em um país sem técnica própria e no qual praticamente não se formavam capitais que pudessem ser destinados para novas atividades, a única saída para o desenvolvimento era o comércio internacional.

O país se encontrava com grande dívida externa e com a economia voltada para fora e não para o mercado interno. Furtado evidencia isto, mostrando os motivos da queda do açúcar (novos supridores da Europa e dos EUA, como exemplo: Cuba) e da queda do algodão (pior que o açúcar, EUA dominava o mercado). Para o autor, o fumo, os couros, o arroz e o cacau eram produtos menores (lembremos aí de Caio Prado Júnior), cujos mercados não admitiam grandes possibilidades de expansão.

Pela metade do século o café ganha espaço significante na economia. Ao transformar-se em produto de exportação, o desenvolvimento da produção de café se concentrou na região montanhosa próxima da capital do país. Aí existia bastante mão-de-obra e era próximo ao porto, assim, pode-se dizer que a primeira fase da expansão cafeeira se realiza com base num aproveitamento de recursos preexistentes e subutilizados.

A fase da gestação da economia brasileira se dá entre o segundo e terceiro quartil do século XIX. A empresa cafeeira permite a utilização intensiva da mão-de-obra escrava, e assim, se assemelha à açucareira – apesar de apresentar um grau de capitalização bem mais baixo. É nesta fase que se forma uma nova classe empresária, formada por homens com experiência comercial, que desempenhará papel fundamental no desenvolvimento do país, isso porque desde o começo eles compreenderam a importância do governo como meio de ação econômica. Deste modo, o governo central estava submetido a interesses heterogêneos, assim torna-se difícil responder com prontidão e eficiência aos chamados dos interesses locais. A descentralização do poder permitirá uma integração mais completa dos grupos cafeeiros com os governantes. É por ter essa consciência de seus interesses que esse grupo se diferencia dos dominantes anteriormente. (FURTADO, 2003: 135)

“ao concluir-se o terceiro quartel do século XIX os termos do problema econômico brasileiro  se  haviam modificado basicamente. Surgira o produto que permitiria ao país reintegrar-se nas correntes em expansão do comércio mundial, a economia cafeeira encontrava-se em condições de autofinanciar sua extraordinária expansão subseqüente; estavam formados os quadros da nova classe dirigente que lideraria a grande expansão cafeeira. Restava por resolver, entretanto, o problema da mão-de-obra” (FURTADO, 2003: 136).

Conforme vimos pela citação, a partir do capítulo 21, o autor demonstra o problema da mão-de-obra. Primeiramente ele demonstra a oferta interna potencial. Segundo Furtado, a força de trabalho da economia brasileira estava constituída por uma pequena massa de escravos, fazendo com que o novo empreendimento se deparasse com a inelasticidade da oferta de mão-de-obra.

Com isso, a primeira alternativa encontrada para suprir esta necessidade foi o setor de subsistência, no qual o proprietário de terras deixava viver em suas terras o maior número de pessoas possíveis e estas cuidavam de suas terras. O problema aí é que a agricultura era rudimentar e primitiva, não aproveitando todo o potencial da terra. Assim, essa cooperação dificilmente podia ser conseguida, já que se tratava de um estilo de vida, de organização social e de estruturação do poder político.

Havia também uma população urbana que não encontrava serviços, porém estes também não se adaptaram a lavoura cafeeira. Isso levou a formar a opinião de que a mão-de-obra livre do país não servia para a “grande lavoura”.

Como solução alternativa do problema da mão-de-obra sugeria-se fomentar uma corrente de imigração europeia, com, inclusive, financiamento governamental. Pagavam-se transporte e gastos de instalação e promoviam-se obras públicas artificiais para dar trabalho aos colonos. O governo cobria a parte principal desse financiamento que era o preço da passagem para a família. No entanto, esse sistema gerou uma forma de servidão temporária, a qual não tinha um limite de tempo fixado para terminar, sendo caracterizado como um “sistema de escravidão disfarçada”.

Em fins do século XIX e início do XX, houve evolução na economia mundial da borracha, a qual se desdobrou em duas etapas: durante a primeira encontrou-se uma solução de emergência para o problema da oferta no produto extrativo; a segunda se caracteriza pela produção organizada em bases racionais, permitindo que a oferta adquira a elasticidade requerida pela rápida expansão da procura mundial.

Essa enorme transumância indica, segundo Furtado, que no fim do século passado já existia no Brasil um reservatório substancial de mão-de-obra, e leva a crer que, se não tivesse sido possível solucionar o problema da lavoura cafeeira com imigrantes europeus, uma solução alternativa teria surgido dentro do próprio país.

Ao contrário do migrante europeu, o nordestino começava sempre a trabalhar endividado, pois o obrigam a reembolsar os gastos com a viagem, com os instrumentos de trabalho e outras despesas de instalação, reduzindo-o a um regime de servidão.

“(...) o grande movimento de população nordestina para a Amazônia consistiu basicamente em um enorme desgaste humano em uma etapa em que o problema fundamental da economia brasileira era aumentar a oferta de mão-de-obra” (FURTADO, 2003: 156).

Em seguida, Furtado disserta sobre eliminação do trabalho escravo. Segundo o autor, havia a prevalência da ideia de que um escravo era uma “riqueza” e que a abolição da escravatura acarretaria o empobrecimento do setor da população que era responsável pela criação de riqueza no país.

No entanto, o problema foi outro. Na região cafeeira o salário relativamente elevado dado aos antigos escravos que permaneceram nas fazendas trouxe uma tendência ao ócio, reduzindo a força de trabalho. Além disso, segundo Furtado, o reduzido desenvolvimento mental da população submetida à escravidão provocará a segregação desta após a abolição, retardando sua assimilação e entorpecendo o desenvolvimento econômico do país.

Segundo Celso Furtado, a escravidão tinha mais importância como base de um sistema regional de poder que como forma de organização da produção. O autor defende que mesmo após abolir-se o trabalho escravo, quase não houve grandes modificações na forma de organização da produção e na distribuição da renda. Porém, havia-se eliminado um dos pilares do sistema de poder formado na época colonial, que atrapalhava o desenvolvimento econômico do país.

Em síntese, segundo Francisco de Oliveira, a contribuição furtadiana é inovadora quando antecipa a questão de que não há nenhuma ‘contradição antagônica’ entre países produtores de matérias-primas e países produtores de manufaturas. Segundo o autor, no capitalismo moderno, “a divisão internacional do trabalho está estruturada muito menos por uma ‘divisão entre nações’ do que por uma ‘divisão interna do trabalho’ entre as empresas em escala internacional: estas são as multinacionais” (OLIVEIRA, 1981: 11).

Oliveira ainda nos mostra que foi Celso Furtado quem nos ofereceu a mais aceita hipótese historiográfica para as motivações da ocupação do interior nordestino e a sua incorporação ao domínio português. Isso se deu devido a tendência à de especialização no plantio extensivo da cana, empurrando a pecuária para o interior.  Assim, a necessidade de animais impulsionou a ocupação do sertão, dando bases à pecuária extensiva.

Álvaro Comin defende que, para Furtado, modernização e desenvolvimento não estão, necessariamente, interligados. O conceito de Modernização, nos países subdesenvolvidos, representa o movimento das economias periféricas caminhando para se aproximarem das economias centrais: “um movimento de absorção, de importação daquilo que era moderno” (COMIN, 2001: 225). Para Furtado, desenvolvimento não é o mesmo que crescimento, assim, para o autor desenvolvimento é um processo de inovação cultural, possibilitando a compreensão da ação transformadora do homem. Assim, para Furtado desenvolvimento não é apenas a modernização das formas técnicas de produção e de acumulação, mas sim o desenvolvimento das relações sociais. Com isso, o autor prova que as economias “subdesenvolvidas” não são meros exemplos de experiências mal sucedidas das economias desenvolvidas dotadas de futuro previsto.

Para concluir, citarei a brilhante frase de Francisco de Oliveira “a obra de furtado é ela mesma a recusa ao “jeitinho” brasileiro” (OLIVEIRA, 1981: 27).

Palavras chave: Celso Furtado, Brasil, Subdesenvolvimento, Pensamento Econômico, CEPAL.

*Danilo André Fuster - Servidor público do município de São Paulo atuando como professor na Escola de Gestão e Contas Públicas Conselheiro Eurípedes Sales do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, Bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela EACH-USP e mestre em Gestão de Políticas e Organizações Públicas pela UNIFESP.


REFERÊNCIAS:
 

COMIN, Alvaro. “Notas sobre a atualidade do pensamento de Celso Furtado”. São Paulo, 2001.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 2003. Capítulo 20: “Gestação da Economia Cafeeira” pp. 129-136. Capítulo 21: “O problema da mão-de-obra. I. Oferta interna potencial” pp. 137-143. Capítulo 22: “O problema da mão-de-obra: II. A imigração europeia” pp. 144-149. Capítulo 23: “O problema da mão-de-obra. III. Transumância amazônica” pp. 150-156. Capítulo 24: “O problema da mão-de-obra. IV. Eliminação do trabalho escravo” pp. 157-162.

OLIVEIRA, Francisco. “Resenha de formação econômica do Brasil”. in: Introdução ao Brasil: um banquete nos trópicos. Org: Lourenço Dantas Mota, Ed. Senac 1999.

OLIVEIRA, Francisco. “A navegação venturosa”. São Paulo: 1981.


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