Professores apresentam em webinar os aspectos jurídicos do combate à pandemia EVENTOS COVID -19

Aspectos jurídicos do combate à pandemia do novo coronavírus foram abordados durante o webinar "Covid-19 e Saúde Pública", realizado pela Escola de Gestão do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCMSP), na sexta-feira (15/05). Entre os convidados estavam o professor de pós-graduação em Direito Constitucional da PUC-SP, Luis Eduardo Patrone Regules, o mestre em Direito Constitucional Leonardo Carvalho Rangel, o secretário de Justiça do município de Cotia, Vitor Marques, e o advogado especializado na área da Saúde, Luiz Fernando Picorelli. O evento on-line, organizado pelo assessor jurídico do TCMSP Silvio Gabriel Serrano Nunes, contou com a mediação da mestre em Filosofia do Direito, Yara Alves Gomes.

O primeiro a tratar do tema foi o professor Luis Eduardo Patrone Regules, que fez algumas considerações do ponto de vista constitucional e administrativo. "A primeira questão a ser analisada é que nesse período da pandemia, pelo viés constitucional, devemos pensar que os instrumentos do Estado para o enfrentamento devem se desenvolver dentro dos limites do Estado de Direito", pontuou. Segundo o professor, "estamos em uma situação em que o Estado é pautado por uma legalidade especial, no sentido de que são criadas normas especiais para garantir maior celeridade nas contratações". Porém, “a administração pública e os agentes públicos têm o dever de observar e fazer cumprir a lei e os princípios constitucionais, pois a base da motivação dos atos, ou seja, expor as razões de fato e de direito que vão nortear um determinado ato administrativo, permanecem."

Regules alertou, ainda, que o acesso à informação no combate à pandemia é vital "para que a sociedade tenha o controle e possa agir e reagir a todos os elementos fundamentais de combate".

Outra discussão que o especialista levantou foi a questão do direito à privacidade, dentro da política de saúde pública de enfrentamento à pandemia, em que o Estado utiliza informações das companhias de telefonia móvel para chegar ao índice de isolamento social. "Há ou não violação dos direitos fundamentais no acesso do governo do Estado às informações das operadoras de telefonia móvel? Nós entendemos que poderia haver violação sim, na medida em que direitos individuais são divulgados e transferidos para terceiros para nortear a atuação direta do governo. Agora, na medida em que esses dados sejam anonimizados (tratados para que suas informações não possam ser vinculadas ao seu titular original) o estado de São Paulo acaba tendo taxas percentuais importantes de adesão ao isolamento e isso não implica em uma violação aos direitos e garantias fundamentais", explicou.

O professor acredita que para enfrentar a pandemia a administração pública deve se valer de algumas regras antigas e outras novas. “As antigas todos sabemos. A lei de licitação estabelece a possibilidade de dispensa de licitação para situações de emergência e calamidade pública. São regras antigas que devem ser tratadas, neste momento, sob ótica emergencial. Mas temos, também, legislação (federal e municipal) que introduziu novos mecanismos, como por exemplo, a possibilidade de pagamento antecipado ao fornecedor, para compras de itens urgentes, como máscaras. O administrador público pode se utilizar do pagamento antecipado, que pode ser uma situação necessária, com o cuidado de buscar fornecedores idôneos e fazer uma rápida avaliação de risco para motivar o ato", exemplificou Regules.

O próximo expositor, Leonardo Rangel, trouxe os modelos de utilização dos leitos privados para o sistema público e o lockdown como uma forma de combate à pandemia. Dentro do estado de legalidade extraordinário que se vive hoje, o professor apresentou a produção normativa que se tem atualmente com o decreto de calamidade, com a lei recente do coronavírus (Lei nº 13.979) e também falou sobre o âmbito regulamentar. "Temos sucessivos decretos do presidente da república falando sobre as atividades essenciais que os estados e municípios devem cumprir, dentro da afirmação da sua autonomia, e, muito antes disso, tivemos uma declaração de emergência em Saúde Pública, mecanismo previsto na Lei do Sistema Único de Saúde (SUS) - lei 8.080 – que diz claramente que por ato do Ministério da Saúde é possível estabelecer essa declaração de emergência", disse.

"O tema que eu quero aprofundar é do lockdown, que tem sido muito alardeado. Diversos doutrinadores já se posicionaram com muita maestria sobre o assunto. Para algumas pessoas a restrição de medidas impostas pelo chamado lockdown seria inconstitucional, afinal somente as figuras do estado de sítio e do estado de defesa teriam condição de restringir a liberdade de locomoção nessa escala que tem sido feita", esclareceu. "Quando a Lei 13.979 prevê novamente as medidas de isolamento e quarentena, ela se vale da definição constante do regulamento sanitário da Organização Mundial da Saúde, que fora internalizado por ato do Congresso e depois do presidente da república com esse último decreto de janeiro de 2020. Especificamente sobre quarentena, a locução é clara de que cabem restrições de atividades com vistas a incolumidade de todas as pessoas, contaminadas ou não, e é aí que está a diferença para o isolamento. No meu entender, já possui base normativa para que essa quarentena tenha níveis distintos de restrição, isso, obviamente, vai recorrer da necessidade."

Para Leonardo Rangel devemos ter muita cautela com a questão da utilização dos leitos porque apesar de termos uma necessidade premente, a crise se agravará e eventual utilização da medida de requisição administrativa sem breve indenização, ou posterior, trará a possibilidade de um impacto econômico muito grande na gestão privada de saúde. É preciso tomar muito cuidado, porque a despeito de atender o interesse imediato, é possível trabalhar com risco sistêmico de colapso, inclusive da rede privada", finalizou.

O secretário de Justiça do município de Cotia, Vitor Marques, entrou no webinar mapeando a autonomia entre os entes da federação e as medidas legislativas adotadas para enfrentamento da Covid-19, além do controle interno e externo. O palestrante destacou que há gatilhos institucionais que são caminhos a serem percorridos nos momentos de crise, pois "está previsto a autonomia no artigo 18, que compõe a federação, no artigo 22 e no 23 está disposto a competência sobre a saúde no Brasil".

Observou que o problema central da crise não são as alternativas jurídicas, mas a falta de compreensão do que é esta pandemia. "A partir do momento em que nós temos entes federativos compreendendo a gravidade da pandemia de modo distinto e apresentando alternativas que muitas vezes vão em direção contrária à dos órgãos da saúde, ou o que a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) tem dito, inicia-se, portanto, um grande conflito", disse o professor. Completou o raciocínio ressaltando que o grande problema disso era perder a possibilidade de ter a coordenação da união com todos os estados e, consequentemente, com os municípios. "O que temos assistido atualmente é que quem de fato coordena esta grande pandemia no Brasil são os estados, pelo menos olhando o que tem acontecido no estado de São Paulo e no do Rio de Janeiro", observou.

Para além da questão da autonomia, Marques considerou que isso se reflete na prestação de contas. "Tomar decisão em um momento que falta informação e instrumentos para responder à crise é muito mais complicado do que se tivéssemos, por exemplo, uma previsão de quantos aparelhos respiratórios chegarão aos municípios. Me parece que se todas essas iniciativas em busca de insumos e de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) fossem realizadas de forma centralizada, naquilo que fosse possível, as dificuldades seriam outras", refletiu o secretário. "A situação de cada gestor tem que ser analisada na sua especificidade. O controle está presente, ele segue, não há um afastamento do controle nesse momento extraordinário, mas também deve haver garantia de serenidade nesta análise", completou.

Por fim, ficou incumbido ao professor Luiz Fernando Picorelli a missão de falar sobre o federalismo e o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. O professor explicou que quando falamos de federalismo, falamos, basicamente, sobre divisão de poder. "Os estados, os países, de um modo geral, escolhem como é feita essa divisão de poder e no nosso caso, escolhemos a federal que significa que há uma divisão de poderes dentro do nosso território. Esses poderes vão ser distribuídos entre município, estados, distrito federal e união. É essa divisão de poderes que vai garantir uma autonomia de cada ente e essa autonomia vai estar definida na própria constituição", salientou, lembrando que a Saúde, pela relevância da matéria, o constituinte escolheu colocar dentro das competências compartilhadas. "Esse é o ponto chave da discussão aqui."

Picorelli recordou que a Constituição de 1988 estabeleceu o direito à Saúde por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). "O Sistema Único de Saúde, das mais diversas diretrizes, traz principalmente a da regionalização e hierarquização. A hierarquização é a forma de acabar com essa ideia 'hospitalocentrica' de que saúde significa atendimento em hospital e clínica. Hierarquização significa efetivamente que você vai colocar a maior parte dos recursos na atenção básica e para as outras questões colocar um pouco menos de estabelecimentos dos maiores níveis de complexidade. A regionalização é como se fosse um redesenho que o SUS propôs para o federalismo brasileiro. Quando a gente faz uma regionalização a gente não se preocupa com o fato de que os problemas de saúde vão se limitar no tamanho de um município, de um estado ou a nível nacional. A regionalização faz com que haja um corte diferenciado e que o país seja efetivamente dividido de acordo com as regiões da doença", aclarou.

"Me parece que o problema aqui envolve uma questão chamada lealdade federativa, que é um termo que se refere ao federalismo cooperativo e que mostra para a gente que dentro de uma federação todos os entes deveriam se tratar com respeito mútuo, de forma cooperativa. É preciso, mais do que nunca, fazer uma defesa não da descentralização, que a gente já viu historicamente que não funciona, mas do diálogo. Precisamos fazer uma defesa do SUS e, principalmente, uma defesa da frente municipal do combate", encerrou Picorelli.

O evento contou com a participação do público, que enviou perguntas pelos comentários. Assista abaixo na íntegra.

 

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